Uma estrutura adequada de transportes reduz o preço final das mercadorias e auxilia os países no avanço na disputa pelo comércio global
Pense no seguinte problema: supo¬nha que você seja um produtor de sojaem Mato Grosso. Sua safra vai ser exportada para a China. Como fazer para que as toneladas de grãos cheguem lá? Teoricamente, você teria várias opções:
A. A carga faria um longo trajeto por ro¬dovias em caminhões, passando por pelo menos mais dois estados, até ser embarcada no Porto de Santos (SP) ou no de Paranaguá (PR), em navios cargueiros.
B. A frota de caminhões a seu serviço poderia também ir até Alto Araguaia (MT), onde a carga seria embarcada em trens; de lá, seguiria para os portos de Santos ou Paranaguá, com destino ao exterior.
C. Uma terceira opção seria levar a car¬ga inicialmente nos caminhões, até Porto Velho (RO), onde seriaembarcadaem cha¬tas e transportada, pela hidrovia do rio Madeira, até o Porto de Itacoatiara (AM), no rio Amazonas, local em que aportam cargueiros transatlânticos.
Como decidir? É preciso levar em conta, sobretudo, duas variáveis: o custo do trans-porte e o prazo de entrega ao comprador. Cada produtor tem de fazer suas contas, mas um fato é certo: oferecer meios de locomoção adequados aos diversos tipos de carga e a um custo baixo é um dos pontos-chave para o desenvolvimento de um país. Para isso, é necessária uma matriz de transporte equilibrada.
Matriz de transporte
Matriz de transporte de um país é o con¬junto dos meios de circulação usados para transportar mercadorias e pessoas. Como um dos pontos-chave para qualquer negócio é saber como seu produto será entregue - e, na escala nacional, esse é um dos problemas básicos permanentes para a economia -, é principalmente do transporte de carga que tratamos quando se fala da matriz.
Uma matriz de transporte ideal é aque¬la que consegue equacionar as distâncias
a ser cobertas com as exigências econó¬micas e sociais. Para isso, conta-se com os seguintes meios:
> transportes terrestres, composto de rodovias e ferrovias;
> transportes hidroviários, incluindo os rios, navegação de cabotagem (costeira) e transatlântica;
> transportes por dutos ou tubulações (basicamente de gás e petróleo);
> transportes aéreos.
Em resumo: uma boa matriz permite que as mercadorias e as pessoas circulem no menor tempo possível com preços reduzidos. Em um país continental como o nosso, o assunto é bastante complica¬do, pois a infra-estrutura de transportes exige muito investimento. Para equilibrar uma matriz, os pontos básicos a consi¬derar são os seguintes:
As rodovias são o meio mais indicado para interligar pontos próximos. Isso porque construir e manter estradas custa caro. Além do mais, um tráfego intenso de cargas pesadas destróí qualquer estrada. As ferrovias, embora exijam investi¬mento inicial pesado, podem transpor¬tar uma quantidade maior de carga. São adequadas, portanto, a trajetos médios ou longos em que haja necessidade de locomoção eficiente de grandes volumes. Nas hidrovias, embora a velocidade seja reduzida em comparação com a de ca¬minhões e de trens, gasta-se menos para transportar milhares de toneladas de produtos. Quando existe a garantia de um fluxo contínuo de gás ou petróleo, dutos
são um ótimo meio - mas exigem grande planejamento e se pagam a longo prazo. Os transportes aéreos são muito caros, e por isso são usados para cargas delicadas, como eletroeletrônicos, ou perecíveis, como frutas e flores frescas.
Matriz em desequilíbrio
Um país de dimensão continental como o Brasil, que movimenta produtos interna-mente e se volta para a exportação de um volume considerável de grãos e minérios produzidos em áreas distantes do litoral, deveria utilizar de forma equilibrada essas três modalidades de transporte. Não é o que ocorre. Hoje, cerca de 58% de tudo o que se transporta pelo país anda em rodovias, sobretudo em caminhões. Um quarto da carga é levada por ferrovias, e apenas 13% seguem por hidrovias. O restante fica com o meio dutoviário - 3,6% em dutos sob aterra, usados basicamente para gás e petróleo - e com o transporte aéreo (0,4%).
O principal resultado dessa matriz de¬sequilibrada é o alto custo do transporte de carga no país. Voltemos a nossa carga de soja. Para transportá-la por hidrovia, paga-se um terço do que é gasto via ferrovia e um quinto do necessário para colocá-la em caminhões e levá-la por estradas. No entanto, o produtor da soja pode ter prazos curtos e, provavelmente, precisará usar uma combinação desses meios.
Um estudo do Ministério dos Transportes adverte que nossos dois principais concor-rentes nas exportações agrícolas, Argentina e EUA, registram custos menores nos trans-
portes: os argentinos, graças ao fato de que lá as distâncias são bem menores, e, por isso, conseguem resultados muito melhores com o transporte ro¬doviário; e os norte-america-nos, em razão do uso intensivo de ferrovias e hidrovias em um país com dimensões semelhantes às nossas.
O impacto do custo do transporte não re¬caí só nas exportações. O gasto das empresas com o transporte no Brasil também vai parar no preço final das mercadorias. Com pre-ços mais altos, os consumidores compram menos, reduzindo a demanda, o que leva as empresas a restringir a produção.
CADA UM NA SUA
Cada meio de transporte é mais adequado a um tipo de carga: cartas via caminhão, contêineres no navio e minérios no trem
Histórico
A explicação corrente para a opção histórica do Brasil pelo asfalto está nas condições de implantação da indústria automobilística a partir da década de 1950. Os governantes da época, particularmente o presidente Juscelino Kubitschek, teriam acertado uma prioridade para as rodovias com os fabricantes de veículos automotivos que se instalavam no pais naquele período. Desde então, uma malha de rodovias esten¬deu-se pelo país, ao passo que as fábricas de automóveis vieram para ficar.
Acontece, porém, que o fenómeno da expansão das rodovias já vinha do período anterior. Do fim do século XIX até a década de 1920, o grosso dos transportes no Brasil era feito por ferrovias e navegação. Mas, no período de 1928 a 1955, antes, portanto, de Juscelino e da chegada das montadoras, a malha ferroviária havia cresci¬do só 20%, enquanto arodoviá-ria já registrava uma ampliação de 400%. Essa expansão foi vinculada ao complexo agro-exportador do café e explica o fato de as malhas rodoviárias e ferroviárias estarem concentradas na Região Sudeste, onde se produzia mais café.
Rodovias
As rodovias, o principal meio de transpor¬te de passageiros e de cargas no Brasil, estão em estado precário. Segundo levantamento de 2006 da Confederação Nacional dos Transportes, 78% das rodovias brasileiras são classificadas como péssimas, ruins ou deficientes. Isso quer dizer que há 65 mil quilómetros de estradas esburacadas. As dez melhores rodovias do pais encontram-se no estado de São Paulo e são administradas por concessionárias, com pagamento de pedá¬gio pelos usuários. Na parte da malha que depende de recursos públicos, a situação é crítica. Apenas 12% das estradas brasileiras são pavimentadas.
Existe, também, o problema da inter¬secção das rodovias e cidades, em espe¬cial as grandes metrópoles. Ainda hoje, o principal entroncamento rodoviário do país passa por dentro da maior cidade da América Latina: São Paulo. Para sanar esse problema, está sendo construído um anel rodoviário em torno da cidade, projetado para ligar as rodovias que chegam do in¬terior e de outras regiões do país e que se encontram na capital paulistana.
Ferrovias
A precariedade na qual se encontram as linhas ferroviárias e os trens foi decorrência da concentração dos investimentos nacio¬nais no modelo rodoviário. Não é apenas a idade de vias, locomotivas e vagões o úni¬co problema a ser superado. Uma coleção de desafios se impõe para que as ferrovias ganhem a importância que merecem na matriz de transporte do país. O principal é aumentar a extensão da malha ferroviária. O Brasil tem 29.314 quilómetros de ferrovias. Esse número não muda há 40 anos. Os EUA, com uma área pouco maior do que a nossa, possuem dez vezes mais. Atualmente, um quinto da produção brasileira roda sobre trilhos. Na Federação Russa - nação cuja matriz de transporte se baseia nos trens -, esse índice chega a 80%.
Hidrovias
No Brasil, o transporte hidroviário pode assumir enorme importância. Possuímos uma grande rede fluvial - cerca de 43 mil quilómetros de rios, dos quais 28 mil são navegáveis naturalmente e outros 15 mil podem ser aproveitados - e nossas hidrovias instaladas chegam apenas a 10 mil quilóme¬tros. Ou seja, há muito a crescer. Uma única barcaça carrega o equivalente a 15 vagões ou a 60 caminhões! Existem, portanto, motivos para usarmos mais hidrovias.
O volume de cargas transportadas por meio hidroviário cresceu 15% em dez anos, mas a expansão ainda é lenta. Ern tese, sua instalação é mais barata que a construção de estradas e ferrovias. Ainda assim, a edifica¬ção de barragens e eclusas em rios acidenta-dos apenas para criar vias de transporte nem sempre é vantajosa. Por isso, com frequência se combinam a expansão de vias navegáveis com a construção de hidrelétricas, como no caso da hidrovia no rio Paraná.
Os portos brasileiros tem de crescer
Um ponto de gargalo da matriz de trans¬porte são os portos, terminais das vias de comunicação internas (rodoviárias, fer¬roviárias e fluviais) e locais de passagem para mais de 90% do comércio exterior. A tendência mundial é estruturá-los em tor¬no dos hub ports, ou seja, poucos e grandes portos que concentram o recebimento e o embarque do comércio externo, utilizando
os demais portos como sistemas de distri¬buição, via navegação costeira.
O Porto de Santos, o maior do país, res¬ponsável por 25% do comércio exterior brasileiro, deve ser muito ampliado nos pró¬ximos anos. Os estudos mostram que, caso se confirmem as previsões de crescimento da economia brasileira, a estrutura dos por¬tos precisa dobrar nos dez anos seguintes,
passando a capacidade de movimentação de carga dos atuais 700 milhões de tone-ladas ao ano para 1,4 bilhão de toneladas. Isso exigiria obras no valor de 30 bilhões de dólares, modernizando estruturas que incluem armazéns, depósitos, terminais de contêineres, de produtos agrícolas e de minérios, berços de atracação e canais para entrada de navios de grande porte.
Outros meios
Os dutos são um excelente meio para transporte de gás natural e petróleo. Mas o gasoduto Brasil-Bolívia mostra um pou¬co dos problemas e riscos. Fruto de um acordo entre os países assinado em 1991, o gasoduto só ficou pronto em 1999, após um pesado investimento. Sua construção visava a diversificar a matriz de energia brasileira, fornecendo uma opção ao Sudeste e ao Sul: o gás natural extraído na Bolívia. As recentes reviravoltas políticas no país vizinho, porém, trouxeram insta¬bilidade ao fornecimento e obrigaram o governo brasileiro a renegociar as condições de compra do gás. Claro, afinal não dá para mudar o oleoduto de lugar.
Quanto ao transporte aéreo, o governo federal apoia a modernização de aeropor¬tos pelo país. Uma de suas diretrizes para incentivar o transporte de bens de con¬sumo é constituir aeroportos industriais: dois candidatos são o de Víracopos, em Campinas (SP), e o Tancredo Neves, em Confins (MG). Os dois graves acidentes aéreos desde 2006, porém, evidenciaram que a infra-estrutura de controle e de se¬gurança dos voos está sucateada e precisa urgentemente de mais investimentos.
Matriz futura
Em 2007, ao lançar o Programa de Acele¬ração do Crescimento (PAC), o governo fe-deral anunciou investimentos de 33 bilbões de reais até 2010 para recuperar as estradas, valor considerado suficiente para melhorar a situação. O problemaé que, passado mais de um ano, pouca coisa saiu do papel.
Por isso, o investimento privado vem sen¬do a principal opção dos últimos governos federais. Atualmente, as linhas férreas estão prívatizadas e parte significativa dos serviços portuários (em mar e em rios) encontra-se nas mãos de empresas. As rodovias em mãos privadas já chegam a 10 mil quilómetros.
E fato, porém, que a solução estrutural só pode vir de ações de longo prazo, que levem à correção da matriz de transporte. Essa é a proposta do Plano Nacional de Logística de Transportes, cujo objetivo é nortear os investimentos públicos e privados pelos próximos 15 anos. Seu grande anseio é que os setores ferroviário e hidroviário, que res-pondem por 38% da matriz de transporte, cheguem a 61% em 2025 (veja o gráfico na pág. ao lado). Se isso ocorrer, teremos um barateamento do transporte no Brasil, com benefícios para as exportações e para a circulação interna de mercadorias.
Para saber mais leia: Atualidades vestibular – editora Abril