terça-feira, 18 de abril de 2017

Matriz de transporte do Brasil


Uma estrutura adequada de transportes reduz o preço final das mercadorias e auxilia os países no avanço na disputa pelo comércio global
Pense no seguinte problema: supo¬nha que você seja um produtor de sojaem Mato Grosso. Sua safra vai ser exportada para a China. Como fazer para que as toneladas de grãos cheguem lá? Teoricamente, você teria várias opções:
A. A carga faria um longo trajeto por ro¬dovias em caminhões, passando por pelo menos mais dois estados, até ser embarcada no Porto de Santos (SP) ou no de Paranaguá (PR), em navios cargueiros.
B. A frota de caminhões a seu serviço poderia também ir até Alto Araguaia (MT), onde a carga seria embarcada em trens; de lá, seguiria para os portos de Santos ou Paranaguá, com destino ao exterior.
C. Uma terceira opção seria levar a car¬ga inicialmente nos caminhões, até Porto Velho (RO), onde seriaembarcadaem cha¬tas e transportada, pela hidrovia do rio Madeira, até o Porto de Itacoatiara (AM), no rio Amazonas, local em que aportam cargueiros transatlânticos.
Como decidir? É preciso levar em conta, sobretudo, duas variáveis: o custo do trans-porte e o prazo de entrega ao comprador. Cada produtor tem de fazer suas contas, mas um fato é certo: oferecer meios de locomoção adequados aos diversos tipos de carga e a um custo baixo é um dos pontos-chave para o desenvolvimento de um país. Para isso, é necessária uma matriz de transporte equilibrada.

Matriz de transporte

Matriz de transporte de um país é o con¬junto dos meios de circulação usados para transportar mercadorias e pessoas. Como um dos pontos-chave para qualquer negócio é saber como seu produto será entregue - e, na escala nacional, esse é um dos problemas básicos permanentes para a economia -, é principalmente do transporte de carga que tratamos quando se fala da matriz.
Uma matriz de transporte ideal é aque¬la que consegue equacionar as distâncias
a ser cobertas com as exigências econó¬micas e sociais. Para isso, conta-se com os seguintes meios:
> transportes terrestres, composto de rodovias e ferrovias;
> transportes hidroviários, incluindo os rios, navegação de cabotagem (costeira) e transatlântica;
> transportes por dutos ou tubulações (basicamente de gás e petróleo);
> transportes aéreos.
Em resumo: uma boa matriz permite que as mercadorias e as pessoas circulem no menor tempo possível com preços reduzidos. Em um país continental como o nosso, o assunto é bastante complica¬do, pois a infra-estrutura de transportes exige muito investimento. Para equilibrar uma matriz, os pontos básicos a consi¬derar são os seguintes:
As rodovias são o meio mais indicado para interligar pontos próximos. Isso porque construir e manter estradas custa caro. Além do mais, um tráfego intenso de cargas pesadas destróí qualquer estrada. As ferrovias, embora exijam investi¬mento inicial pesado, podem transpor¬tar uma quantidade maior de carga. São adequadas, portanto, a trajetos médios ou longos em que haja necessidade de locomoção eficiente de grandes volumes. Nas hidrovias, embora a velocidade seja reduzida em comparação com a de ca¬minhões e de trens, gasta-se menos para transportar milhares de toneladas de produtos. Quando existe a garantia de um fluxo contínuo de gás ou petróleo, dutos
são um ótimo meio - mas exigem grande planejamento e se pagam a longo prazo. Os transportes aéreos são muito caros, e por isso são usados para cargas delicadas, como eletroeletrônicos, ou perecíveis, como frutas e flores frescas.
Matriz em desequilíbrio

Um país de dimensão continental como o Brasil, que movimenta produtos interna-mente e se volta para a exportação de um volume considerável de grãos e minérios produzidos em áreas distantes do litoral, deveria utilizar de forma equilibrada essas três modalidades de transporte. Não é o que ocorre. Hoje, cerca de 58% de tudo o que se transporta pelo país anda em rodovias, sobretudo em caminhões. Um quarto da carga é levada por ferrovias, e apenas 13% seguem por hidrovias. O restante fica com o meio dutoviário - 3,6% em dutos sob aterra, usados basicamente para gás e petróleo - e com o transporte aéreo (0,4%).
O principal resultado dessa matriz de¬sequilibrada é o alto custo do transporte de carga no país. Voltemos a nossa carga de soja. Para transportá-la por hidrovia, paga-se um terço do que é gasto via ferrovia e um quinto do necessário para colocá-la em caminhões e levá-la por estradas. No entanto, o produtor da soja pode ter prazos curtos e, provavelmente, precisará usar uma combinação desses meios.
Um estudo do Ministério dos Transportes adverte que nossos dois principais concor-rentes nas exportações agrícolas, Argentina e EUA, registram custos menores nos trans-
portes: os argentinos, graças ao fato de que lá as distâncias são bem menores, e, por isso, conseguem resultados muito melhores com o transporte ro¬doviário; e os norte-america-nos, em razão do uso intensivo de ferrovias e hidrovias em um país com dimensões semelhantes às nossas.
O impacto do custo do transporte não re¬caí só nas exportações. O gasto das empresas com o transporte no Brasil também vai parar no preço final das mercadorias. Com pre-ços mais altos, os consumidores compram menos, reduzindo a demanda, o que leva as empresas a restringir a produção.

CADA UM NA SUA
Cada meio de transporte é mais adequado a um tipo de carga: cartas via caminhão, contêineres no navio e minérios no trem

Histórico

A explicação corrente para a opção histórica do Brasil pelo asfalto está nas condições de implantação da indústria automobilística a partir da década de 1950. Os governantes da época, particularmente o presidente Juscelino Kubitschek, teriam acertado uma prioridade para as rodovias com os fabricantes de veículos automotivos que se instalavam no pais naquele período. Desde então, uma malha de rodovias esten¬deu-se pelo país, ao passo que as fábricas de automóveis vieram para ficar.
Acontece, porém, que o fenómeno da expansão das rodovias já vinha do período anterior. Do fim do século XIX até a década de 1920, o grosso dos transportes no Brasil era feito por ferrovias e navegação. Mas, no período de 1928 a 1955, antes, portanto, de Juscelino e da chegada das montadoras, a malha ferroviária havia cresci¬do só 20%, enquanto arodoviá-ria já registrava uma ampliação de 400%. Essa expansão foi vinculada ao complexo agro-exportador do café e explica o fato de as malhas rodoviárias e ferroviárias estarem concentradas na Região Sudeste, onde se produzia mais café.

Rodovias

As rodovias, o principal meio de transpor¬te de passageiros e de cargas no Brasil, estão em estado precário. Segundo levantamento de 2006 da Confederação Nacional dos Transportes, 78% das rodovias brasileiras são classificadas como péssimas, ruins ou deficientes. Isso quer dizer que há 65 mil quilómetros de estradas esburacadas. As dez melhores rodovias do pais encontram-se no estado de São Paulo e são administradas por concessionárias, com pagamento de pedá¬gio pelos usuários. Na parte da malha que depende de recursos públicos, a situação é crítica. Apenas 12% das estradas brasileiras são pavimentadas.
Existe, também, o problema da inter¬secção das rodovias e cidades, em espe¬cial as grandes metrópoles. Ainda hoje, o principal entroncamento rodoviário do país passa por dentro da maior cidade da América Latina: São Paulo. Para sanar esse problema, está sendo construído um anel rodoviário em torno da cidade, projetado para ligar as rodovias que chegam do in¬terior e de outras regiões do país e que se encontram na capital paulistana.
Ferrovias

A precariedade na qual se encontram as linhas ferroviárias e os trens foi decorrência da concentração dos investimentos nacio¬nais no modelo rodoviário. Não é apenas a idade de vias, locomotivas e vagões o úni¬co problema a ser superado. Uma coleção de desafios se impõe para que as ferrovias ganhem a importância que merecem na matriz de transporte do país. O principal é aumentar a extensão da malha ferroviária. O Brasil tem 29.314 quilómetros de ferrovias. Esse número não muda há 40 anos. Os EUA, com uma área pouco maior do que a nossa, possuem dez vezes mais. Atualmente, um quinto da produção brasileira roda sobre trilhos. Na Federação Russa - nação cuja matriz de transporte se baseia nos trens -, esse índice chega a 80%.

Hidrovias

No Brasil, o transporte hidroviário pode assumir enorme importância. Possuímos uma grande rede fluvial - cerca de 43 mil quilómetros de rios, dos quais 28 mil são navegáveis naturalmente e outros 15 mil podem ser aproveitados - e nossas hidrovias instaladas chegam apenas a 10 mil quilóme¬tros. Ou seja, há muito a crescer. Uma única barcaça carrega o equivalente a 15 vagões ou a 60 caminhões! Existem, portanto, motivos para usarmos mais hidrovias.
O volume de cargas transportadas por meio hidroviário cresceu 15% em dez anos, mas a expansão ainda é lenta. Ern tese, sua instalação é mais barata que a construção de estradas e ferrovias. Ainda assim, a edifica¬ção de barragens e eclusas em rios acidenta-dos apenas para criar vias de transporte nem sempre é vantajosa. Por isso, com frequência se combinam a expansão de vias navegáveis com a construção de hidrelétricas, como no caso da hidrovia no rio Paraná.

Os portos brasileiros tem de crescer

Um ponto de gargalo da matriz de trans¬porte são os portos, terminais das vias de comunicação internas (rodoviárias, fer¬roviárias e fluviais) e locais de passagem para mais de 90% do comércio exterior. A tendência mundial é estruturá-los em tor¬no dos hub ports, ou seja, poucos e grandes portos que concentram o recebimento e o embarque do comércio externo, utilizando
os demais portos como sistemas de distri¬buição, via navegação costeira.
O Porto de Santos, o maior do país, res¬ponsável por 25% do comércio exterior brasileiro, deve ser muito ampliado nos pró¬ximos anos. Os estudos mostram que, caso se confirmem as previsões de crescimento da economia brasileira, a estrutura dos por¬tos precisa dobrar nos dez anos seguintes,
passando a capacidade de movimentação de carga dos atuais 700 milhões de tone-ladas ao ano para 1,4 bilhão de toneladas. Isso exigiria obras no valor de 30 bilhões de dólares, modernizando estruturas que incluem armazéns, depósitos, terminais de contêineres, de produtos agrícolas e de minérios, berços de atracação e canais para entrada de navios de grande porte.
Outros meios

Os dutos são um excelente meio para transporte de gás natural e petróleo. Mas o gasoduto Brasil-Bolívia mostra um pou¬co dos problemas e riscos. Fruto de um acordo entre os países assinado em 1991, o gasoduto só ficou pronto em 1999, após um pesado investimento. Sua construção visava a diversificar a matriz de energia brasileira, fornecendo uma opção ao Sudeste e ao Sul: o gás natural extraído na Bolívia. As recentes reviravoltas políticas no país vizinho, porém, trouxeram insta¬bilidade ao fornecimento e obrigaram o governo brasileiro a renegociar as condições de compra do gás. Claro, afinal não dá para mudar o oleoduto de lugar.
Quanto ao transporte aéreo, o governo federal apoia a modernização de aeropor¬tos pelo país. Uma de suas diretrizes para incentivar o transporte de bens de con¬sumo é constituir aeroportos industriais: dois candidatos são o de Víracopos, em Campinas (SP), e o Tancredo Neves, em Confins (MG). Os dois graves acidentes aéreos desde 2006, porém, evidenciaram que a infra-estrutura de controle e de se¬gurança dos voos está sucateada e precisa urgentemente de mais investimentos.

Matriz futura

Em 2007, ao lançar o Programa de Acele¬ração do Crescimento (PAC), o governo fe-deral anunciou investimentos de 33 bilbões de reais até 2010 para recuperar as estradas, valor considerado suficiente para melhorar a situação. O problemaé que, passado mais de um ano, pouca coisa saiu do papel.
Por isso, o investimento privado vem sen¬do a principal opção dos últimos governos federais. Atualmente, as linhas férreas estão prívatizadas e parte significativa dos serviços portuários (em mar e em rios) encontra-se nas mãos de empresas. As rodovias em mãos privadas já chegam a 10 mil quilómetros.
E fato, porém, que a solução estrutural só pode vir de ações de longo prazo, que levem à correção da matriz de transporte. Essa é a proposta do Plano Nacional de Logística de Transportes, cujo objetivo é nortear os investimentos públicos e privados pelos próximos 15 anos. Seu grande anseio é que os setores ferroviário e hidroviário, que res-pondem por 38% da matriz de transporte, cheguem a 61% em 2025 (veja o gráfico na pág. ao lado). Se isso ocorrer, teremos um barateamento do transporte no Brasil, com benefícios para as exportações e para a circulação interna de mercadorias.

Para saber mais leia: Atualidades vestibular – editora Abril

Os gargalos da infra-estrutura

Dentre vários fatores a obstaculizar um maior ritmo de crescimento da economia brasileira está a precariedade da infra-estrutura, em razão da qual o setor privado vê-se obrigado a despender recursos adicionais consideráveis na produção e no transporte e a repactuar contratos em função da incapacidade de honrar prazos.
Os gargalos da infra-estrutura
No âmbito do comércio internacional esses problemas são potencializados, eis que as congêneres de países dirigidos por governos mais eficientes nesta rubrica simplesmente avançam céleres no que tange à competitividade, ainda mais que na maioria dos casos, no exterior, aos custos de produção não são agregadas algumas dezenas de impostos, como sói ocorrer em solo brasileiro.

Ou seja, o empreendedorismo brasileiro paga pela má conservação das estradas, pela tributação excessiva da energia, pela inoperância dos portos, pela burocracia que se insere entre as mais devastadoras do globo, pela apetência dos poderes públicos em criar impostos e taxas para os mais diversos e prosaicos procedimentos.

Apregoa o atual governo federal que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é a panacéia para tais males e que o Brasil, no jargão oficial, está transformado em um imenso canteiro de obras. Seria, realmente, muito bom, se a retórica correspondesse aos fatos.

O governo federal não perde oportunidade para, representado por suas mais importantes autoridades, lançar a pedra fundamental de algum empreendimento inserido no programa.

Entretanto, entre a solenidade e o mãos-à-obra existe grande distância. Que se tome como exemplo o Estado do Rio de Janeiro. De acordo com recente reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, o governo federal empenhou para este ano, isto é, reservou para pagamento às empreiteiras, R$ 266,3 milhões, mas apenas R$ 9,37 milhões foram efetivamente pagos, ou seja, 3,5% do total.

A situação é ainda pior se levarmos em conta as obras do PAC no país inteiro - de R$ 15,77 bilhões a serem investidos este ano, apenas R$ 160 milhões foram realmente aplicados. Bem verdade que o governo federal aplicou, até maio, R$ 3,14 bilhões, mas esses recursos referem-se ao exercício de 2007 que não haviam sido liberados no devido tempo em razão da própria morosidade do governo.

Em suma, os brasileiros ansiosos por verem pronta alguma grande obra vital à melhoria de sua qualidade de vida - como, para os catarinenses, a duplicação do trecho Sul da BR-101 - devem manter-se munidos de paciência beneditina, pois são grandes as chances de adiamentos repetidos e prolongados nos prazos alardeados para a conclusão dos empreendimentos tocados pela União.

Fonte: INTELOG